Daniel Chapo ironiza situação das estradas e sugere transporte aéreo para Marcha de Unidade Nacional

Comentário sobre infraestrutura rodoviária gera críticas e amplia debate sobre investimentos públicos em Moçambique

Maputo – O secretário-geral da Frelimo, Daniel Chapo, tornou-se alvo de debates e críticas nas redes sociais e em círculos políticos após sugerir, com tom que muitos consideraram irônico, que os cidadãos que pretendem participar da Marcha de Unidade Nacional deveriam recorrer ao transporte aéreo. A declaração, feita durante um encontro com militantes no centro do país, chamou atenção para o estado precário das estradas nacionais, especialmente nas zonas mais distantes dos grandes centros urbanos.

“Se o povo quiser ir à marcha, talvez seja melhor apanhar avião, porque as nossas estradas… bom, todos sabemos como estão”, teria dito Chapo, numa intervenção que, embora breve, reverberou amplamente entre simpatizantes, opositores e analistas.

A Marcha de Unidade Nacional, prevista para ocorrer no final do mês em Maputo, pretende reunir moçambicanos de diferentes províncias numa demonstração de coesão e patriotismo. O evento é promovido pelo partido no poder como forma de reforçar a estabilidade política e promover a imagem de um país unido diante dos desafios sociais e econômicos.

No entanto, a fala de Chapo acabou ofuscando a agenda da marcha. Para muitos, o comentário revela um reconhecimento implícito da ineficácia das políticas públicas na área de infraestrutura rodoviária, além de soar como um desrespeito para com os moçambicanos que enfrentam diariamente dificuldades de mobilidade.

Reações diversas

A oposição reagiu de forma imediata. O porta-voz da Renamo, Venâncio Mondlane, classificou a declaração como “um insulto ao povo trabalhador que percorre longas distâncias em estradas esburacadas e perigosas”. Em nota oficial, o partido exigiu um pedido de desculpas por parte de Chapo e cobrou medidas concretas de reabilitação das vias de acesso.

Organizações da sociedade civil também se pronunciaram. O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) afirmou que o episódio evidencia a desconexão entre a liderança política e as condições reais vividas pelas populações no interior do país. “Se as estradas não servem para o povo, então para quem servem?”, questionou um comunicado da entidade.

Nas redes sociais, internautas moçambicanos usaram a hashtag #EstradasParaTodos para criticar a lentidão nas obras de manutenção rodoviária e o que chamaram de “desprezo elitista” por parte de algumas lideranças.

Governo minimiza polêmica

Questionado pela imprensa, o Ministério das Obras Públicas respondeu que está em curso um plano nacional de reabilitação de estradas que abrange mais de 3.000 km de vias em estado crítico. “O governo reconhece os desafios, mas tem feito investimentos consistentes”, afirmou o porta-voz da pasta, destacando projetos financiados pelo Banco Africano de Desenvolvimento e pelo Banco Mundial.

Apesar do esforço oficial em amenizar os impactos da declaração de Chapo, fontes próximas ao partido confirmaram que a repercussão foi considerada “negativa” nos bastidores. Uma fonte interna da Frelimo, que pediu anonimato, revelou que o comentário “não foi planejado” e que houve “preocupação” com o tom adotado, principalmente no atual contexto pré-eleitoral.

Marcha sob pressão

Com a aproximação da Marcha de Unidade Nacional, a pressão sobre os organizadores aumenta. Diversos comitês locais, especialmente em Nampula, Niassa e Tete, relataram dificuldades logísticas para garantir a presença de militantes na capital, sobretudo por falta de transportes seguros e acessíveis.

“Não temos como colocar todos no ar. A maior parte virá mesmo pelas estradas, como sempre”, afirmou um dirigente provincial da Frelimo, admitindo que “as condições são desafiantes”.

Especialistas em transporte e desenvolvimento apontam que o episódio pode servir de catalisador para uma discussão mais profunda sobre prioridades orçamentárias. “Moçambique ainda depende fortemente da malha rodoviária para o escoamento de produtos e circulação de pessoas. Se os líderes não confiam nas estradas, que mensagem isso transmite?”, questionou o economista Júlio Mabunda, da Universidade Eduardo Mondlane.

Histórico de promessas

Não é a primeira vez que as condições das estradas se tornam tema de controvérsia política. Desde 2015, vários programas de reabilitação foram anunciados, mas muitos deles ficaram pelo caminho por falta de financiamento ou má gestão. A estrada nacional EN1, por exemplo, continua sendo alvo de críticas constantes devido aos seus trechos esburacados e acidentes frequentes.

Em janeiro deste ano, o presidente Filipe Nyusi lançou um novo pacote de investimentos para recuperação de vias, prometendo “transformar as estradas em motores do desenvolvimento”. Contudo, os avanços ainda são pontuais e insuficientes diante da extensão do problema.

E agora?

O caso envolvendo Daniel Chapo poderá ter desdobramentos políticos, especialmente porque ele é considerado um dos nomes fortes para a sucessão dentro da Frelimo. Alguns analistas acreditam que o episódio poderá enfraquecê-lo entre as bases mais pobres do partido, caso não haja uma retratação pública ou ação concreta de apoio aos que enfrentam dificuldades de transporte.

Por enquanto, a expectativa recai sobre o desenrolar da Marcha de Unidade Nacional. Se o evento conseguir mobilizar grandes contingentes de diferentes províncias, mesmo diante dos obstáculos logísticos, poderá funcionar como sinal de força para a Frelimo. Caso contrário, poderá expor as fragilidades internas do partido e aumentar o desgaste da liderança.

Enquanto isso, o povo continua a enfrentar as estradas como pode — de chapas lotadas, caminhões improvisados ou até a pé — na esperança de um dia ver as palavras de seus líderes se traduzirem em ações concretas