Movimento organizado por moçambicanos na Europa busca pressionar instituições da UE a reverem relações com o partido no poder, alegando autoritarismo e violações de direitos humanos.


Lisboa, 24 de abril de 2025 — Um movimento crescente entre moçambicanos residentes na Europa promete ampliar a pressão internacional sobre o partido no poder em Moçambique, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Organizações da diáspora estão em fase avançada de mobilização para uma ação coordenada que visa sensibilizar instituições da União Europeia (UE) sobre alegadas práticas antidemocráticas, corrupção e violações dos direitos humanos atribuídas ao governo moçambicano.

A articulação inclui associações cívicas, estudantes, profissionais liberais e ativistas de direitos humanos espalhados por países como Portugal, França, Alemanha, Bélgica, Reino Unido e os Países Baixos. O objetivo declarado do movimento é “descredibilizar politicamente a Frelimo junto dos seus interlocutores europeus” e “pressionar por sanções diplomáticas e financeiras” contra figuras-chave do partido.

A mobilização ganhou força após denúncias recorrentes de repressão política em Moçambique, especialmente no contexto do processo eleitoral previsto para outubro de 2024. “Temos observado uma escalada na perseguição a vozes dissidentes, manipulação do sistema judicial e uso abusivo das forças de defesa e segurança”, afirma Manuel Nhamtumbo, porta-voz do coletivo Diáspora Pela Democracia.

Segundo ele, a comunidade moçambicana no exterior está profundamente preocupada com o fechamento do espaço cívico e a fragilidade das instituições democráticas no país. “A Frelimo tem se valido do seu histórico libertador para silenciar críticas e perpetuar-se no poder à custa do sofrimento da população”, acrescentou.

A iniciativa inclui o envio de dossiês com denúncias documentadas para eurodeputados, departamentos de direitos humanos do Parlamento Europeu e ONGs internacionais. Também estão previstas manifestações públicas em frente a embaixadas de Moçambique e edifícios da UE em Bruxelas, Estrasburgo e Lisboa.

Um dos pontos centrais da campanha é o pedido formal à União Europeia para revisar os termos de cooperação com o governo moçambicano. Os ativistas defendem a introdução de cláusulas mais rígidas sobre respeito aos direitos humanos e boa governação como condição para a manutenção de ajuda financeira ao país.

“Queremos que o apoio europeu não seja incondicional. Se a Frelimo não respeita os princípios democráticos, então não deve beneficiar de fundos públicos dos contribuintes europeus”, afirmou Inês Matusse, jurista e membro da coordenação da iniciativa em Bruxelas.

A campanha também conta com o envolvimento da juventude moçambicana que estuda nas universidades europeias. Vários grupos estudantis se organizaram para realizar debates, projeções de documentários e distribuir materiais informativos em campi universitários.

“Essa luta também é geracional. É hora de romper com décadas de autoritarismo disfarçado de estabilidade. Estamos a despertar consciências”, disse Samuel Chissano, estudante de Relações Internacionais em Paris.

Analistas políticos acompanham com interesse a movimentação da diáspora. Para o cientista político português Rui Tavares, “a diáspora moçambicana está a utilizar ferramentas modernas de advocacy e diplomacia cidadã para amplificar seu impacto”. Ele destaca que movimentos semelhantes em países como Etiópia e Zimbábue já tiveram influência real na formulação de políticas externas europeias.

Em resposta, o governo moçambicano, por meio da sua embaixada em Lisboa, emitiu uma nota classificando as ações da diáspora como “manobras orquestradas por grupos mal-intencionados com fins desestabilizadores”. A nota alega que o país tem feito “progressos significativos” em matéria de reformas políticas e económicas.

A reação, no entanto, não convenceu os organizadores. “A narrativa do progresso é apenas retórica. A realidade no terreno mostra o contrário: pobreza, censura e violência contra opositores”, rebateu Ana Alage, socióloga baseada em Amsterdã.

A campanha ganhou apoio de eurodeputados como Miguel Urban, da Espanha, e Saskia Bricmont, da Bélgica, ambos conhecidos por defenderem pautas de justiça global. Eles prometeram levar as denúncias ao plenário do Parlamento Europeu nas próximas semanas.

O movimento também lançou uma petição online que já ultrapassou 40 mil assinaturas, exigindo o congelamento de bens de altos dirigentes da Frelimo na Europa e restrições de visto. Os organizadores esperam alcançar 100 mil assinaturas até meados de maio.

A crescente mobilização da diáspora ocorre num momento em que Moçambique enfrenta desafios internos complexos, como a insurgência armada no norte do país, tensões pré-eleitorais e uma economia fragilizada. “É justamente nesses momentos críticos que a vigilância democrática deve ser reforçada”, alertou Nhamtumbo.

Entre as próximas ações previstas estão audiências com membros da Comissão Europeia e uma conferência internacional sobre o futuro democrático de Moçambique, agendada para junho em Berlim. A expectativa é que o movimento se consolide como uma força política relevante fora do país.

“O silêncio da comunidade internacional tem permitido abusos por demasiado tempo. Chegou a hora de dizer basta”, conclui Matusse.

Com esse novo capítulo da atuação política da diáspora moçambicana, a pressão sobre a Frelimo promete ganhar um novo patamar — agora sob os holofotes da arena internacional.